Música: The King Of Limbs


Como ouvir Radiohead entre tanto ruído?


Provocaram novo sobressalto mediático. Anunciaram "The King Of Limbs", quando ninguém o esperava, disponibilizaram-no mais cedo que o previsto e tudo correu em histérico frenesim a comentar canções que mal se teve tempo para ouvir. Mas como falar da música quando a banda força uma sofreguidão que não deixa espaço para a apreciar demoradamente?
Por Mário Lopes


Há um álbum novo e sairá daqui a alguns dias. Estará disponível para download dia 19 de Fevereiro de 2011. A 28 de Março chegará a edição física, a 9 de Maio a edição "de luxo", "o primeiro álbum jornal da história": ou seja, o CD, dois vinis de 7" e "625 pequenas peças de arte gráfica". Espera-se, depois disto, que "seja anunciada nos próximos meses uma versão super-deluxe em que Thom Yorke apareça em holograma à cabeceira da vossa cama para cantar a coisa", ironizava o "Guardian" dias depois. Este era há poucas semanas, quando se soube pela primeira vez que os Radiohead tinham um novo álbum, "The King of Limbs".
E isto foi o que aconteceu sexta-feira, dia 18 de Fevereiro, quando uma mensagem no twitter, manhã cedo, informou que o álbum seria editado um dia mais cedo que o esperado. Chegava "The King Of Limbs" e todos correram a ouvi-lo e a comentá-lo em histérico frenesim. Horas depois, as sentenças: "álbum de génio!", "uma desilusão", "a banda mais importante da história continua a fazer história", "os Radiohead já não fazem bons álbuns" e por aí fora. No meio disto tudo, que sabemos realmente sobre "The King Of Limbs"?

A música e o embrulho
Não muito. Produzido como habitualmente por Nigel Godrich, começou a ser gravado em Maio de 2009, com as sessões divididas entre a cidade da banda, Oxford, e Los Angeles - quanto ao título, refere-se a um carvalho milenar que se ergue na floresta de Savernake, em Wiltshire, no sudoeste inglês.
Entretanto, há a música, que é reflexo de uma banda que, pela voz de Thom Yorke, dizia em 2008 à "Rolling Stone" que o período mais influente da sua formação musical fora o final da década de 1980: "Os Happy Mondays. Stone Roses. E no fim, os Nirvana. Foi um período de transição interessante: Muita electrónica, muitas bandas indie, e era permitido que tudo se misturasse. Foi por isso que achei estranho quando começámos a gravar 'Kid A' e as pessoas diziam 'Não podem fazer isso. É terrível!".
Em 2010, Thom Yorke entusiasma-se com a música de Flying Lotus e de Four Tet, com o minimalismo pop dos xx e o ambiente austero e urbano das produções dubstep - Burial à cabeça. Enquanto isso, Johnny Greenwood continua o seu trabalho enquanto autor de bandas sonoras - depois de "Haverá Sangue", de Paul Thomas Anderson, prepara-se compor a de "We need to talk about Kevin", do escocês Lynne Ramsay. São esses os universo que a banda inculcou na sua personalidade, sem sobressaltos e mantendo-a reconhecível. A primeira apresentação do álbum, o vídeo de "Lotus flower", é perfeita na representação desse estado de espírito. A preto e branco, mostra-nos Thom Yorke de chapéu de coco na cabeça, em dança bizarra no meio do nada. Insular e desconcertante - ou será, como apontava um blogger do Guardian, uma crítica à profusão de coreografias e aparato cenográfico nos vídeos das Lady Gagas deste mundo?
A banda que editou "Kid A", que pelo seu impacto e abrangência popular foi considerado o primeiro álbum do século XXI, continua a comandar os destinos do seu tempo. É uma visão optimista. Que obscurece um pormenor. Como falar da nova música dos Radiohead quando eles obrigam o mundo em redor a uma sofreguidão que não deixa espaço para a apreciar demoradamente, como ela parece exigir?
"Kid A" (2000), planando numa estética sonora onde passavam a existir dinâmicas jazz e texturas electrónicas, foi crescendo lentamente, foi-se impondo à medida que ultrapassávamos o choque provocado pela transformação radical da banda que, em 1997, dera as voltas ao prog-rock de 1970 em "Ok Computer", transformando-o em paradigma desencantado do seu tempo.
Os Radiohead emergiram dois anos depois com "Hail To The Thief", álbum súmula do passado e o mais fraco da sua discografia - descontando o primeiro, "Pablo Honey", que se assemelha aquelas fotos da adolescência que, por vergonha, se escondem da nova namorada. Quando surgiram novamente, quatro anos depois, fizeram-no com estrondo. Foram notícia no Financial Times, foram capa da Automotive Industry, levaram alguns executivos da indústria musical a erguer os braços aos céus, pedindo clemência perante o apocalipse iminente, e outros tantos a tomar notas. Tudo isto porque os Radiohead vinham "salvar/destruir" a indústria tal como a conhecíamos. "In Rainbows" era o título do álbum e a loucura que se instalou deveu-se mais à sua edição que à música gravada. A história resumida: editaram o álbum online e cada um podia pagar o que quisesse para obter. Depois, claro, chegou a versão física, a edição de luxo e etc. Em Setembro de 2010, Colin Greenwood afirmou que a banda começara a reflectir sobre como "editar num panorama digital que se transformou novamente". Eis o resultado: fazer exactamente o mesmo que há quatro anos, excluindo a possibilidade de gratuitidade e elevando a ansiedade dos fãs perante o embrulho deluxe - que será isso do "primeiro álbum em formato jornal do mundo"? No processo, os Radiohead continuam a ser erguidos a banda mais relevante do seu tempo, mesmo se o seu último grande álbum tem dez anos, mesmo se "The King Of Limbs" se apresenta como obra interessante, nunca surpreendente, de uma banda que já não desafia nem aponta novos caminhos como outrora.
Imaginem que em 1967, quando os Beatles editaram "Sgt. Peppers", a discussão se centrava nos descartáveis "Sargento Pimenta" de cartão incluídos no LP e em como eles representavam todo um novo mundo de possibilidades para a promoção da indústria. O processo de assimilação de "In Rainbows" e de "The King Of Limbs" assemelha-se a este cenário hipotético. Tendo em conta que falamos de uma banda arauto da independência indie, a banda que resistiu à tendência para a repetição de fórmulas e para o jogo do marketing da indústria musical, não deixa de ser profundamente irónico que assim seja.

Comentarios

nuno santos ha dicho que…
Um grande álbum que merece ser escutado com toda a atenção! Muitas publicações já se devem ter arrependido da cotação refenrente a este trabalho!

Nuno Santos
http://www.musicaemstock.com

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