Encontros e desencontros – Ensaio Palavra-Imagem com Teté Ribeiro e Nan Goldin


 

Cassiana Der Haroutiounian

Para esta edição do Ensaio Palavra-Imagem, convidei a jornalista Teté Ribeiro para se deixar atravessar pelas icônicas imagens da fotógrafa Nan Goldin. Teté é escritora, formada em Filosofia pela USP, autora dos livros “Minhas Duas Meninas” e “Divas Abandonadas” dentre outros . Atualmente, escreve sobre TV, cinema e livros na Folha, onde foi editora da revista Serafina e stringer nos EUA entre 2000 e 2010. Teté também estudou fotografia na Universidade Stanford com o premiado fotógrafo Robert Dawson. Nan Goldin é conhecida por um retrato cru e íntimo da subcultura gay em Nova Iorque entre os anos 1970 e 1980. Ela documentou a própria dependência sexual e seu relacionamento abusivo com o então namorado e as relações entre os amigos próximos. A combinação entre as duas é intensa, potente e de uma reflexão sobre tantos encontros e desencontros.

As fotos de Nan Goldin que aparecem nesse ensaio foram feitas, em grande parte, durante outra pandemia que aterrorizou o planeta, a da AIDS. Naquela época, como na nossa, os objetos do desejo foram transformados em ameaça. Naquela época, como na nossa, isso não evitou que se cobiçasse o corpo de outras pessoas, nem que se sonhasse com a intimidade como a resposta pra imensa solidão de existir.

Com a intimidade, no entanto, os efeitos da pandemia do final do século passado e a do começo deste atual foram quase contrários. A AIDS se intrometeu não só nas relações sexuais, mas também nas relações entre quem era ou não era considerado parte do grupo de risco. Os homens gays, primeiros alvos da doença, que já eram discriminados pela maior parte da população, ficaram ainda mais relegados à margem da sociedade.

Na vez da Covid 19 as relações mais abaladas foram as dos velhos com os mais novos. E a intimidade foi imposta em sua forma mais extrema entre os que habitam a mesma casa. Trancados juntos, casais viraram companheiros de cela.

É paradoxal o que a presença de outro corpo provoca em tempos excepcionais. Quando a proximidade é alçada à categoria de alerta, como decidir se vale a pena dar um passo em direção ao outro? E depois do primeiro, mais um, então alguma parte do corpo encosta no outro, os braços se abrem, um carinho é trocado, um beijo acontece. Considera-se tirar a roupa e se deixar levar pelo desejo. Não existe sexo seguro. Nem em tempos de pandemia, nem em tempo nenhum.

Não existe contato entre humanos sem uma parcela de risco. Amor, paixão, obsessão, mania, tudo começa com um encontro. Com muitos encontros, o risco é o tédio, o desprazer, a indiferença, o fim. Mas entre a obsessão e o tédio pode passar uma vida inteira.

Há vezes em que a tragada de um cigarro pós-trepada é o maior prazer que se arranca de um ato de amor. Em outras, o gozo parece não dar conta de tanta antecipação. Quando os corpos se grudam como ímãs dá a impressão de que nada, nunca, pode ser tão bom. Então nos condenamos a passar o resto do tempo que temos de vida em busca de outros momentos assim.   ​

 

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