Debate: O fado é brasileiro, ora pois!
Mostre à turma que as trocas culturais podem surpreender
O fado nasceu no Brasil. A frase soa como heresia, já que o gênero tornou-se símbolo da nacionalidade portuguesa desde tempos imemoriais. Mas é assim que opera a memória coletiva, criadora de mitos de origem, representando lembranças ofuscadas pelo tempo, pela história e pelo próprio esquecimento. E, sabemos, uma das maiores diversões do historiador é acabar com os mitos: o fado nasceu no Brasil, ainda na época colonial, foi levado para Coimbra e Lisboa em meados do século XIX, e ali se transformou e se aclimatou, acabando por virar a música portuguesa por excelência; aqui, o samba tomou o seu lugar. De qualquer forma, de nada adianta acabar com os mitos e colocar coisa nenhuma em seu lugar, sobretudo na sala de aula. Tivesse o fado "nascido na Cochinchina ou na Groenlândia, nem por isso [ele] deixar[ia] de ser legitimamente português", afirmava Mário de Andrade, ainda em 1930.
Neto do lundu, cujas gravações - disponíveis para audição no site do Instituto Moreira Salles - estão entre as primeiras a serem realizadas no Brasil na voz do palhaço Eduardo das Neves, o fado provavelmente foi levado a Portugal após a saída de D. João VI do Brasil. Em terras brasileiras, ele era coreografado em forma de roda de maneira lasciva e sensual, o que revela a influência afro-brasileira no ritmo e na dança. Em Coimbra e Lisboa tornou-se mais comovido, com uma "choradeira desesperada e angustiosa" no dizer de Renato Almeida, encontrando na viola o seu instrumento ideal.
Não é bem isso o que se ouve em Outro Sentido, mais recente álbum de António Zambujo, jovem português de 34 anos, apresentado por BRAVO!. Ele não se intimida diante da tradição lusitana e não perde de vista a melancolia das canções lisboetas. Seus dedos "batem um fado como d'antes", atualizando e reinventando o gênero, e inserindo pitadas de João Gilberto e Vinícius de Morais no fado nacional.
As canções de Zambujo são mais um indício de que, pelo Atlântico, não circulou apenas açúcar e escravos. As navegações portuguesas revelaram mais do que os odores e as cores das especiarias das Índias, mas foram incapazes - como a globalização também o é - de homogeneizar e europeizar os quatro cantos do mundo. Pelo contrário, elas produziram novos odores, cores, sons e línguas. Se a maior parte das "novidades" típicas dos séculos 15 e 16 não devem ser celebradas - cabendo lembrar, no mínimo, a dor da escravidão e a exploração mercantil - elas podem, ao menos, servir como instrumento para revelar a complexidade criada pela aproximação de diferentes culturas.
CONTEÚDOS
Trocas culturais, memória e nacionalismo
HABILIDADES
Analisar músicas e poemas como documentos históricos; compreender a historicidade da produção cultural
TEMPO ESTIMADO
Três aulas
ATIVIDADES
1ª aula - Prepare os jovens para uma atividade de escuta atenta de um fado. Como eles não costumam fazer isso em sala, é preciso sensibilizar a turma com cuidado, para que o estranhamento não impeça a análise. Se o professor dispuser de mais tempo para a realização da atividade, vale a pena solicitar que os alunos tragam músicas que costumam ouvir e pedir que eles redijam ou discutam as sensações causadas por essas canções. Utilize poemas de Fernando Pessoa ou Camões, levando-os a perceber quais eram as expectativas da saída para o Atlântico, o longo período longe da terra, a saudade, a espera e as incertezas. Gaste um tempo caracterizando, a partir dos poemas, o "espírito" português da época das navegações e como essa sensação marcou a cultura lusitana ao longo dos séculos. Peça que eles leiam os poemas em voz alta, marcando o ritmo. Como tarefa de casa, solicite que respondam a duas questões motivadoras: o que é um gênero musical nacional e por que o fado é considerado um gênero nacional português.
2ª aula - Apresente uma gravação de fado para a classe. Peça que os meninos anotem as sensações provocadas por essa canção. Discuta as respostas às questões motivadoras. Extraia dessa discussão o conceito de memória coletiva e nacionalismo.
3ª aula - Para concluir a atividade, amplie a ideia pré-concebida que os alunos possuem da relação entre as (ex-)colônias e suas (ex-)metrópoles. Mostre a eles que pelos oceanos circulava muito mais do que simples mercadorias. Há diversas possibilidades de encaminhamento da atividade, dependendo do período histórico abordado: a criação do aparelho de Estado português no Brasil, a vinda da família real, os escritores brasileiros do final do século XIX e o transporte das ideias iluministas para o Novo Mundo. Selecione um tema e peça aos alunos que aprofundem a discussão, realizando uma pesquisa na biblioteca da escola ou na internet e produzindo um texto final. O problema a ser debatido nesse texto são os mecanismos por meio dos quais se dão as trocas culturais. Vale lembrar: a própria ideia de nação, no dizer de Roberto Schwarz, é uma espécie de "importação".
Atividade proposta por Camila Koshiba, professora de História da Escola Nova Lourenço Castanho
http://bravonline.abril.com.br/conteudo/escola/musica-historia-502055.shtml
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