Música: Os discos jazz de 2010
As escolhas de Nuno Catarino e Rodrigo Amado
Sara Serpa é a grande figura do jazz nacional de 2010: não só pelo excelente "Camera Obscura", gravado em duo com Ran Blake, mas também por todo o seu percurso mais recente, do ambiente académico de Boston ao hiper-competitivo meio do jazz nova-iorquino.
Gravado ao vivo no clube Green Mill de Chicago, este novo registo do saxofonista Ken Vandermark é uma bomba! O saxofonista pega na sua mais celebrada formação, os Vandermark 5, e junta-lhes dois convidados de excepção; o trompetista Magnus Broo e o pianista Havard Wiik. Um equilíbrio notável entre forma e improvisação e uma atitude "take-no-prisoners" dá origem a uma música orgânica, visceral e urgente. Registo internacional do ano. R.A.
O decateto americano conta aqui com a participação do trompetista Steven Bernstein e elabora um dos mais originais discos dos últimos anos. Assente numa forte vertente composicional, a música abre alas à inspiração dos instrumentistas, sempre direccionados por um permanente sentido colectivo. Com o auxílio de Bernstein o colectivo dá mais um grande passo em frente. N.C.
Mike Pride é, há muito, um subversivo agitador do jazz nova-iorquino. Em "Betweenwhile" reúne um quarteto explosivo que opera entre o passado e o futuro do jazz, como se de um jogo se tratasse. A seu lado, Peter Bitenc, Alexis Marcelo e o saxofonista Darius Jones, uma das grandes revelações dos últimos anos. Fogo, elegância e contenção, num registo descrito com jazz de vanguarda soul. R.A.
Revelaram-se em disco, mas não só. Para o Red Trio - Rodrigo Pinheiro (piano), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Gabriel Ferrandini (bateria) - 2010 foi um ano imparável: aclamação internacional, concertos em grandes salas (nacionais e internacionais) e colaborações com convidados de peso (como John Butcher ou Nate Wooley). Improvisando na constante busca de formas sonoras imprevisíveis, o trio encarnado desenvolve uma música única. Que o futuro seja deles. N.C.
Jazz com espírito punk, free com disciplina prog. Os Little Women - quarteto de Darius Jones, Travis Laplante, Andrew Smiley e Jason Nazary - apresentam um dos mais inclassificáveis discos que o ano viu nascer, um disco que vira o jazz de pernas para o ar, que mostra uma música barulhenta e irresistível, que explora os limites, que se materializa em múltiplas explosões de energia. N.C.
Dois saxofonistas, virtuosos e inovadores, tentam desvendar os códigos do futuro do jazz. Com uma abordagem altamente pessoal e acompanhados por três grandes músicos - Liberty Ellman, Matt Brewer e Damion Reid - destilam um jazz intenso, angular e complexo, e constroem uma entidade musical abstracta que se apresenta como o paradigma do jazz moderno. R.A.
Constituindo um dos mais celebrados trios do jazz improvisado europeu, Evan Parker, Barry Guy e Paul Lytton são três gigantes que garantiram há muito um lugar de destaque na história do jazz moderno. Neste disco, registo de um concerto memorável na Casa da Música, convidam o extraordinário trompetista Peter Evans e formam um quadrado perfeito, impressionista e caleidoscópico. Aquilo que mais se aproxima de uma pura magia sonora. R.A.
A aventura criativa de Threadgill continua. Com Zooid, o seu notável projecto para o novo século, realiza explorações de timbre, estrutura e instrumentação. No seu universo, o de um verdadeiro músico dos músicos, nada é o que parece. Em múltiplos planos de percepção, cruzam-se jazz de vanguarda, blues, música contemporânea, jazz latino e muita improvisação, estruturada e consistente como poucas. R.A.
Mais do que a enorme vitalidade de Motian, mestre do drumming mundial, a grande surpresa de "Lost in a Dream" vem de Jason Moran - mais contido, com um toque europeu que lhe assenta como uma luva - e acima de tudo, de Chris Potter, que aqui utiliza uma subtileza e suavidade tímbrica que raramente lhe é ouvida. Um trio clássico num registo poético e lírico.R.A.
A "big band" dirigida por Marco Barroso chega finalmente ao disco e confirma aquilo que muitos já conheciam das actuações ao vivo da banda: jazz multi-referencial, temas que atravessam décadas da história em poucos minutos, de Ellington a Sun Ra à velocidade da luz. Um brilhante projecto nacional que não pára de surpreender e merecerá todo o reconhecimento (aqui e lá fora). NC
O pianista aventura-se a solo e o resultado já não surpreende ninguém. Trabalhando uma selecção de standards como "Darn That Dream" e clássicos de Monk ("Epistrophy") e Ellington ("Fleurette Africaine"), Vijay passa também por "Human Nature" (belíssimo tema de Michael Jackson). Em qualquer desses ambientes, o pianista nunca abandona o seu típico registo, sóbrio e metódico, inteligente no desenvolvimento dos temas, criativo e elegante. N.C.
Nome incontornável do jazz de vanguarda norte-americano e um dos maiores trombonistas da actualidade, Steve Swell já não gravava um disco assim há muito tempo. Em "5000 Poems", com um quinteto bem calibrado, surpreende tudo e todos com um registo vibrante, pleno de inspiração e poder, na linha dos grandes clássicos free dos anos 60 e 70. Composições brilhantes e discursos solistas de cortar a respiração. R.A.
Cada vez mais focado no seu próprio universo, Mário Laginha continua a seguir a sua estrela aventurando-se em projectos de alto risco. Em "Mongrel" aborda a obra de um dos seus compositores favoritos, Frédéric Chopin, e recusando soluções fáceis, opera uma transformação profunda das suas composições, alterando compassos, tempos, melodias e harmonias. Raramente uma fusão ou "mestiçagem" de estilos musicais deu origem a uma música tão pura e orgânica. R.A.
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